sexta-feira, 21 de outubro de 2011

III Conto - A Rosa

O trabalho no callcenter era ruim, não pelas condições de trabalho em si, mas por sua frenética repetição. Todo dia a mesma coisa, os mesmos procedimentos, as mesmas mentiras, o dito pelo não dito – os mesmos erros. Seis horas de trabalho monótono para receber um salário baixo e sobreviver. Ainda bem que ela recebia os tickets alimentação assim não passava fome e tinha como manter seu único luxo: livros. Ella sempre gostou de literatura e todo mês comprava um bom livro para acompanhá-la aonde fosse.
Os livros sempre foram seus melhores amigos e affaires. Sempre que tinha um tempo livre, lia para fugir da cruel realidade e do mundo hostil que não se encaixava. Ou melhor, ela quem nunca se encaixou no mundo. Será que por ainda acreditar nos romances que lia em seus livros e sonhar com um príncipe encantado que algum dia viria e a resgataria desse lugar insípido levando-a em seu cavalo onírico a uma terra distante onde ela poderia ser quem realmente é, sem máscaras ou rótulos, apenas para viver seu amor e nele ser livre. Será que isso era querer demais?Claro que não, no fundo Ella sabia que os homens nasceram para ser felizes e amarem, pois o mundo como conhecemos nasceu de um ato de amor e assim devemos prosseguir - em amor.

Pequenas gotas de chuvas caem no vidro da janela do seu escritório descrevendo movimentos circulares e, quem sabe por ironia do destino ou capricho de uma Deusa do amor, um pequeno coração.
 “Yoshio, deixe de ser bobo.” Tentava em vão tirá-la da mente. Mas como exorcizar um fantasma da cabeça quando ele já se apoderou do seu coração?
”Desde que ela começou a freqüentar o curso preparatório para o vestibular não consigo pensar em outra coisa a não ser ela, posso ate dizer que quando olho pela janela vejo nas gotas da chuva seu olhar distraído para algum lugar além da capacidade de um homem, o mundo dos sonhos.”
-Yoshio,terminou os relatórios que te pedi?
-Quase pronto senhor.
-Ótimo, assim você também poderá ir ao lançamento do novo produto. – Disse Kazuo Yamamoto, diretor de uma multinacional no país e que sempre foi conhecido por suas habilidades nos negócios e sua conduta rígida na empresa. Brilhante homem que sempre fez acontecer tudo o que desejou até hoje em sua vida. Homem que estabeleceu um império com sua família, colocando seus filhos mais velhos em pontos estratégicos na empresa. Homem que sempre teve o poder sobre tudo. Homem esse pai de Yoshio. – Tenho uma reunião agora. Encontro você no evento.
-Estarei lá. – Respondeu Yoshio.

-Vamos Camila, corre ou vamos perder o ônibus! - Disse Ella correndo e pisando nas poças que a chuva deixou.
-Estou indo menina, calma!Senão estrago meu cabelo! – Comentou Camila colocando uma sacola plástica na cabeça seguindo Ella até o ônibus.
Uma vez dentro da condução, após uma verificada rápida se nenhuma gota d’água estragaria seu cabelo, Camila guardou a sacola no bolso.
-Mila e seu cabelo. – Falou Ella rindo.
-Meu bem, sou prevenida. Após horas no cabeleireiro você pensou mesmo que eu iria perder minha escova?Nunca precisei! – Disse Camila rindo alto.
Camila sempre foi alto astral, aquele tipo de pessoa que se pode contar para qualquer coisa. Um sorriso aqui, um xingamento ali, um pouco de bebida alcoólica e bom humor: essa era Camila, ou Mila, para os íntimos. A vida nunca foi fácil para Mila. Um namorado que vivia enrolando ela, muitas contas a pagar, um emprego que não gostava e uma mãe alcoólatra. Tudo para ser uma pessoa carrancuda e ruim que escolheu a alegria como sua espada e a amizade como escudo. Duas meninas diferentes que se atraíram desde a primeira vez que se viram, mas não é assim que longas amizades acontecem, sem explicação?Sim. Camila e Ella eram boas amigas.
-Mila, até amanhã. Tenho que estudar matemática. – Comentou Ella com cara de nojo.
-Sei bem que você vai estudar matemática. –Ironizou Camila – Até amanhã garota, se cuida. –Colocou a sacola plástica na cabeça e saiu correndo para pegar o outro ônibus.
-Tchau amiga, se cuida. - Disse Ella acenando para Mila que sequer podia ouvi-la.

Abriu o guarda-chuvas e saiu observando o asfalto molhado e a quietude que pairava sobre a rua como manto. O cheiro de terra molhada invadia suas narinas com a promessa de vida e no fundo Ella sabia que embora achasse que não encaixava nesse mundo ela era o mundo. Sorriu momentaneamente com o calafrio que subiu por suas costas e logo se lembrou que teria que estudar matemática. Que tédio.


Continua.

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